No sul do Brasil, iniciativa internacional busca conservar campos nativos no pampa
Projeto Alianza del Pastizal tenta valorizar sistemas produtivos que conservam o ecossistema campestre; conheça
Brasília|Do R7
O pampa é um bioma , no Brasil, ao Rio Grande do Sul. Ocupa uma área de 193 mil km² e abriga 2,8 mil espécies de plantas nativas, além de pelo menos 476 aves e 102 mamíferos.
A região, no entanto, é ameaçada pelo avanço de agriculturas não sustentáveis.
Por isso, um projeto internacional — parceria entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, países nos quais o bioma está presente — tenta conciliar a produção pecuária com a conservação dos campos nativos.
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Pedro Pascotini, coordenador da Alianza del Pastizal Brasil, explica que o objetivo é promover e valorizar sistemas produtivos que adotam boas práticas agropecuárias e conservam o ecossistema campestre.
Além disso, é essencial reconhecer o papel estratégico dos produtores rurais e implementar incentivos para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos da região.
“No Brasil, a iniciativa é coordenada pela SAVE Brasil, mantendo alinhamento com os demais países participantes”, conta.
Segundo Pedro, alguns resultados já foram alcançados com a ação que busca conciliar produção e sustentabilidade.
Parceiros institucionais no pampa
Até o momento, 387 propriedades foram certificadas como membros da Alianza del Pastizal Brasil, somando 259.960 hectares, dos quais 189.461 hectares de campos nativos.
O grupo também consolidou uma rede de parceiros institucionais, envolvendo desde órgãos governamentais até a iniciativa privada, e aprovou o projeto Alianza Mais, com apoio do Fundo Francês para o Meio Ambiente Mundial e parceria estratégica do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul.
Desde 2014, a iniciativa monitora 96 propriedades — cerca de 72 mil hectares — e já registrou pelo menos 23 espécies de aves ameaçadas ou quase ameaçadas de extinção.
Outra ação é uma parceria com o Sebrae para consultorias técnicas voltadas à pecuária sustentável, que atualmente atende 100 produtores.
Pedro Pascotini defende que um dos principais desafios da bioeconomia é tornar os produtos e serviços baseados na biodiversidade economicamente viáveis e competitivos, sem perder a integridade ecológica.
Isso, segundo ele, envolve regulamentações ainda frágeis ou pouco claras; falta de mecanismos de financiamento adequados ao tempo e à escala dos sistemas produtivos que consideram o equilíbrio ecológico.
“E o reconhecimento de que os ecossistemas, como os campos nativos, também são ativos da bioeconomia — e não somente as florestas”, enumera.
Potencial bioeconômico
Para ele, o pampa possui um enorme potencial bioeconômico ainda subestimado.
“Diferentemente de outros biomas, sua biodiversidade está associada a paisagens abertas, com predominância de pastagens naturais (campos nativos), que podem ser exploradas economicamente por meio da pecuária”, diz.
Pedro assegura que, quando associada a boas práticas de manejo, essa pecuária torna-se uma ferramenta estratégica de conservação.
“É nesse sentido que trabalhamos com o conceito de ‘Produzir para Conservar’, reforçando que a produção no pampa pode gerar não somente ganhos econômicos, mas também benefícios diretos à conservação do bioma”, continua.
Ele acrescenta que o bioma pode se desenvolver a partir de:
- Produtos oriundos de sistemas com campo nativo conservado, como a carne certificada;
- Serviços ecossistêmicos, como o sequestro de carbono em campos bem manejados, créditos de biodiversidade, manutenção da qualidade da água, entre outros;
- Recuperação de áreas degradadas com sementes nativas, fomentando uma nova cadeia produtiva e agregando valor à biodiversidade local.
Além disso, Pedro cita que uma das ações em desenvolvimento é o uso de sementes nativas de campo para a recuperação de áreas degradadas.
“Hoje, não há disponibilidade comercial dessas sementes, e a criação dessa cadeia produtiva representa uma nova fronteira no bioma, com potencial de gerar renda, conservar a vegetação nativa e ampliar a resiliência das paisagens”, conta.
Reconhecimento
Pedro acrescenta ainda que é preciso “reconhecer e remunerar quem conserva — por meio de políticas públicas, incentivos financeiros e instrumentos como crédito rural e pagamentos por serviços ambientais; valorizar cadeias produtivas que conciliam produção e natureza — como sistemas agroecológicos, pecuária sustentável, entre outros”.
Ele também cita a importância de “fortalecer a governança para um planejamento territorial — distribuindo melhor o potencial de cada região, cuidando do uso da terra em áreas sensíveis e de potencial de biodiversidade, garantindo segurança jurídica para quem produz com responsabilidade e definindo benefícios e diferenciais a esses produtores”.
“O Brasil tem um potencial único de liderar uma agenda de produção sustentável, mas isso exige visão de longo prazo, integração entre setores e valorização do conhecimento local — inclusive o dos pecuaristas do pampa, que trabalham com base em campo nativo e, há décadas, mantêm a biodiversidade conservada”, defende.
Inova Pampa
Ângelo Antônio Queirolo Aguinaga, gerente regional da Campanha e Fronteira Oeste do Sebrae Rio Grande do Sul, compartilha da mesma visão sobre o potencial do pampa.
Ele lembra que é um bioma que se caracteriza por ser composto, basicamente, por espécies de campo. O mapa tem árvores, mas na sua composição original elas aparecem somente nas margens dos rios.
“A maioria do bioma é formada por planícies e por espécies de vegetação de gramíneas e leguminosas que coevoluíram com a presença dos animais ruminantes que aqui habitavam”, explica.
Para ele, a bioeconomia tem um potencial gigantesco.
“Em cada metro quadrado desse campo nativo, estamos falando de mais de 200 espécies de gramíneas e mais de 150 espécies de leguminosas, além de todas as árvores e arbustos”, observa.
Ele explica que, por meio do Inova Pampa, o Sebrae quer sensibilizar e dialogar com a população sobre essas potencialidades.
Ângelo diz que é essencial falar sobre essa composição, tradição, como se deu a ocupação desse território.
“E vamos estimular as pessoas — estudantes do ensino médio, dos cursos técnicos — a pensar e idealizar negócios que tenham como princípio a exploração racional dos recursos, de forma que permita a conservação e traga, de fato, um desenvolvimento sustentável para essa região que tanto precisa de agregação de valor aos produtos típicos daqui”, defende.

Ele detalha que o programa está apostando em 50 novos modelos de negócio que permitam olhar para o bioma como uma fonte de recursos — “mas uma fonte de recursos que precisa ser conservada, tanto pelos aspectos ambientais quanto pelos culturais”.
“O gaúcho coevoluiu com o bioma. Sem o bioma, o gaúcho desaparece; e sem o gaúcho, o sentido do bioma também não existe. Então, as duas coisas andam sempre ligadas”, observa.
Ele conta que o Sebrae tem realizado vários projetos, como a certificação da carne da Alianza del Pastizal.
“Esse é um projeto que conserva o campo nativo, melhora a eficiência produtiva dos rebanhos nas propriedades rurais e faz com que essas propriedades produzam mais, com um manejo adequado dos recursos naturais”, relata.
Ângelo adianta que a expectativa do programa é desmistificar a ideia de que a conservação do bioma atrasa o desenvolvimento.
“Pelo contrário: a nossa expectativa é conhecer todas as ideias de negócio e fomentar novas iniciativas capazes de trazer o tão sonhado desenvolvimento econômico para essa região — mas sem esquecer o aspecto ambiental e a sustentabilidade”, conclui.
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